vendredi 14 janvier 2011

EXTASES

Raramente podemos ver as obras de Ernest Pignon- Ernest, como geralmente imaginamos, isto é , expostas numa galeria. Obras, para a maior parte delas efémeras, que dispostas aqui e ali nas esquinas das ruas, abandonam-se ao nosso olhar e oferecem-nos uma estranha beleza até desaparecerem rasgadas ou desfeitas pelas intempéries, quando não são cobertas por cartazes publicitários. Restam-nos então as fotografias e os desenhos preparatórios.

Para Ernest Pignon –Ernest luz, cor e espaço são tão importantes como o invisível: a Historia. e as memorias enterradas. A obra nasce do e no sitio onde o artista a inseriu, fazendo daquele lugar um espaço visual, revelando , perturbando e elevando o seu simbolismo.

Foi assim que aconteceu em Nápoles. Ao inspirar-se da obra de Caravaggio, que viveu nesta cidade poucos meses antes de morrer gravemente ferido numa rixa, Ernest Pignon- Ernest, faz eco ao povo napolitano, à sua miséria e violência. As obras sobre papel, desenho ou serigrafias, e sempre a preto e branco, eram coladas entre cartazes lacerados, sobre portas condenadas ou paredes sem janelas. Marcadas pelos acidentes e a memoria da parede, longe de se confundirem no suporte, os desenhos mais perto de uma perfeição académica que de um modernismo ou grafismo de rua, apresentam-se como um trompe l’oeil, por vezes abrindo uma porta ou uma janela ilusória, outras vezes um respiradouro rente ao passeio. Utilizando uma técnica próxima da anamorphose pouco importa de que lado avenha o nosso olhar, temos sempre a impressão de a descobrimos pelo ângulo principal Desmaterializando assim a espessura do suporte temos a sensação de um passado emergente.


Foi precisamente durante esta intervenção em Nápoles, que um poema de Nerval conjuntamente com leituras dos “Exercícios espirituais” de Inácio de Loyola e de S. João da Cruz, levaram Ernest Pignon-Ernest a iniciar, com toda a liberdade de artista, um dialogo com as grandes figuras místicas que são Maria Madalena, Teresa d’Avila, Hildegarde de Bingen, Angèle de Foligno, Catherine de Sienne, Marie de l’Incarnation.

Este dialogo já dura há quase vinte anos.

Tudo começa com um questionamento, uma fascinação. Uma vertigem também, que só arrebata aqueles que desejam evocar, pensar, compreender e representar um fenómeno tão perturbante, tão desconcertante e tão insensato que é o êxtase.

Tentar o impossível, na orbe destas mulheres espantosas e escandalosas, primeiro tomadas por loucas para depois, serem beatificadas ou santificadas.

Mas como representar o invisível? Como representar a carne que só aspira a descarnação? Como apreender a luz e as sombras, os suspiros os gritos e as dores de experiências inexplicáveis? Como traçar e materializar tais transportes, tanto excesso tantas efracções sublimadas?

Sete enormes folhas brancas, onde o traço do carvão, inspirado pelos textos deixadas pelas próprias místicas, veio se inscrever com uma extrema intensidade, criando tensão e conflito. Resultado de um longo e doloroso trabalho durante anos de desenhos e colaboração com a dançarina Bernice Coppieters.

Se na época barroca, Bernini *ou qualquer outro escultor , guarneciam os corpos estáticos numa abundância de plissados onde o tecido era a expressão. Ernest Pignon-Ernest despe - os e observa a dor. “ dor espiritual e não corporal, mesmo se o corpo não se esqueceu de participar e por bastante”como escreveu Santa Teresa d’Avila

Expostas pela primeira vez em Avignon, na Capela Saint-Charles, é na capela do antigo Convento das Carmelitas de Saint Denis, às portas de Paris, que Ernest Pignon -Ernest, instalou de novo sete tiragens numéricas destes desenhos. Numa dramaturgia sumptuosa, as imagens entregam-se, parecem levitar. Coladas sobre folhas de alumínio, as quais o artista deu forma curvando-as criando assim zonas de sombra que acentuam as poses de sofrimento, as expressões de loucura ou de beatitude, que se multiplicam ao reflectir no abismo da escuridão de um espelho de agua.

Não há duvida, estas mulheres perderam o espírito, mas unicamente para se unirem ao Espírito.


*Santa Teresa d’Avila, Capela Cornaro,

imagens©Ernest Pignon-Ernest