mercredi 13 octobre 2010

Hoje acordei aqui

Se existe uma coisa que muitos partilhamos, é estarmos fartos de continuar a andar na mesma direcção. Quantos e quantos não desceríamos do comboio, ao compreender que ele não vai para onde estavamos à espera que ele chegasse.
E então começamos a sonhar. Uns, com um algures. Fugir. Fugir o mais longe possível do nosso planeta maldito. Desejar a Lua impossível de abraçar. Outros, cansados de atirarem de novo o corpo devoluto para a vida de todos os dias, deixam-se ir, lentamente, entre muros de lençóis brancos fazendo pouco da arena da vida que os rodeia.
Depois há os outros, os que encontraram a porta de saída. Saltaram, e viajaram ao mais profundo de seus passados até encontrarem aquele sentido à deriva , o sublime, o sacro. Momentos luminosos esses que como crianças as mãos cheias de rebuçados, os guardam, às escondidas. Outros ainda, alimentam-se do mundo que os rodeia. E sugam tudo a que eles vem, para o triturarem e transformarem-no como por magia, em fascinação.
O postal que ela ainda segurava nas mãos, uma alma do Purgatório, agradou-lhe. R.K. Duas iniciais como tantas outras. Quem a convidava?
Há dias em que não vale a pena compreender.
Nápoles. Sim ela gostava de Nápoles, pela sua beleza. Pelos seus excessos. Excesso de ruído, de mistério, de vida! de violência. Excesso de loucura.
Fez as malas. Que arriscava? Nada tinha a perder.
Laura abriu-lhe as portas do Palazzo Marigliano, o Albergo del Purgatorio e remeteu-lhe um envelope da parte do proprietário - Robert Kaplan.
Não, Laura não se lembrava de alguma vez o ter cruzado, e deixou-lhe as chaves.
“Fica o tempo que desejares. Até ao meu regresso se essa for a tua vontade. Eu, estou a caminho de Sintra, ao volante de uma Chevrolet.”

oeuvres de ©John Giorno, Albergo del Purgatorio
photo©MariaDeMorais

(texto inicialmente publicado na Pensão Lisbonense)